quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

COLETES E COLETAS

O colete tem para mim uma simbologia especial. Por volta dos anos oitenta, a moda era o seu uso como parte integrante do terno, em geral os pastores o usavam ao conduzir os cultos e isto se tornou aos meus olhos uma marca típica do antigo pregador, que seguia princípios rígidos de doutrina e tratava e conduzia a igreja como muita seriedade. Diz o dito popular: "O pregador precavido tem sempre de reserva um sermão salvador no bolso do colete". Naqueles tempos os homens de colete faziam as coletas nas igrejas da forma o mais discreta possível, quase que se desculpando por tê-la que fazer. Era um tempo evangelicamente romântico de crentes instruídos e firmes e que dificilmente mudavam de igreja, que cremos já não existe mais.

Hoje a igreja mudou, o neo-pentecostalismo trouxe uma nova doutrina, o discreto colete desapareceu, e a coleta, outrora discreta, passou a ser em muitas igrejas, o ponto central e evidenciado do culto, tudo gira em torno dela, até mesmo a palavra é ministrada para provocar através de fortes emoções, uma maior contribuição, os testemunhos são, via de regra, sobre bênçãos materiais que empolgam os presentes, toda a retórica visa conclamar todos a uma vida de fé e desafios constantes, saindo para o ataque em busca das bênçãos, e não esperando pacificamente que elas venham, tendo uma atitude agressiva, até em excesso às vezes, e nunca contemplativa. Incita-se a tomar posse das bênçãos, a sair na sua captura, declarar poder sobre ela e se apossar da utopia de se estar assim vivendo pela fé.

Toda a fé é conduzida no sentido de se buscar soluções para os problemas cotidianos, que envolvem a vida financeira de cada um, a instrução dada é que se deve lembrar a Deus de suas promessas usando até de patente irreverência. Nesta busca insana criou-se a competição entre líderes adeptos dessa doutrina e muitos artifícios são usados num verdadeiro "vale tudo" para se ter uma igreja materialmente forte e próspera, com aparência de riqueza e com muitos participantes, a multidão é fundamental nesse estilo de trabalho, assim como o exibicionismo. A indumentária se apresenta em geral de confecções de marca com tecidos importados, os punhos adornados com os grandes e famosos relógios suíços, canetas montblanc à mão, dedos mostrando anéis com pedras preciosas, colares de ouro ou prata ao redor do pescoço, sapatos de cromo alemão e sempre se trasladando em carros importados, novos e de alto luxo, e estacionando de forma a ser visto por todos, o culto deve ser transformado num verdadeiro show, um culto à personalidade onde o astro é o pastor, tudo com o propósito de impressionar pelo sucesso e pelo carisma, e provocar na platéia o espírito de emulação para que ajam estimulados pelo que vêem e entrem de corpo e alma nos desafios apresentados, dando tudo o que tem para buscar receber multiplicado, como um investidor secular que aplica sempre, não para favorecer alguém, mas com a intenção de receber muito mais do que aplicou.

E se as coisas não forem bem o pregador sempre terá uma "idéia nova" tirada do bolso do invisível colete para comover os presentes, para mexer com o seu íntimo e tirar uma melhor coleta, não sendo levado em conta se há ou não fundamento bíblico na proposta apresentada, o que importa são os resultados obtidos e não a fidelidade à sã doutrina.

A premissa de prosperidade levou essa doutrina a uma "inversão do evangelho" notória, na qual a ordem é "buscar primeiro as demais coisas", esperando que após conquistá-las, o reino de Deus e a sua justiça sejam acrescentados como prêmio, contrariando frontalmente o que está escrito em Mt 6: 33. "Mas buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas".

Também são instruídos a ver o visível e ignorar o invisível (2Co 4: 16-17), a buscar como um pródigo os seus direitos inalienáveis (Jo 15: 11-12), a gozar todos os prazeres deste mundo (1Jo 2: 16), a buscar a prosperidade, que ela trará no seu bojo o reino de Deus e a sua justiça, e "você verá quão facilmente um rico entra no reino dos céus", ainda que a Bíblia não corrobore e até contradiga isso (Mt 19: 23-24).

Usando a filosofia do "evangelho invertido" a igreja vai chegar, sem dúvida, a tão falada Laodicéia que está descrita em Ap 3: 14-22, muito rica, sem ter falta de nada e pronta, pronta para ser vomitada da boca de Deus, pois mesmo que ricamente vestida, estará nua diante do Criador, com toda a prosperidade secular poderá ser tida como desgraçada e pobre por ter sido praticante do "evangelho às avessas".

Há tempo para a igreja ungir os olhos com colírio divino para que veja, enquanto ainda está a caminho, que compre ouro provado no fogo e se vista com vestes que podem ser simples e singelas, porém de linho branco, símbolo da santidade dos santos. Que a igreja que tanto buscou a prosperidade secular, entenda que mesmo sendo riquíssima e poderosa secularmente, pobre é até miserável diante de Deus (Ap 3: 17).

De quem esta igreja está ouvindo a voz? De Jesus de Jo 10: 27? Ou do mercenário de Jo 10: 12-13? Se for do mercenário, não ouvirá a voz de Jesus, que só entra pela porta e não sobe por outra parte (Jo 10: 1).

Jesus está à porta e bate, será que a igreja está reunida no quarto dos fundos e não vai ouvir sua voz e não vai abrir?

A igreja que não tem somente a Jesus como único Senhor e Salvador, não o tem dentro de si mesma, não ceia com ele, nem Ele ceia com ela. A sua mesa pode ser um laço aos que se assentam nela (Sl 69: 22).

"Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo". Ap 3: 20

Por que será que Jesus se revela neste texto como estando do lado de fora da igreja e batendo à porta na tentativa de ser ouvido?

Quem o pôs para fora, fechando a porta, cessou de ouvi-lo?

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